terça-feira, 7 de dezembro de 2010

O DIA DA CIRURGIA


Era uma quinta-feira, dia de clima ensolarado e agradável.
Ele caminha pelo corredor do hospital. Seus olhos contemplam aquelas paredes como se já as conhecesse. Aquele cheiro também não era estranho ao seu olfato. Cada passo parecia o deixar mais nervoso, e, mesmo assim, mais aliviado. Aquele dia tinha sido temido, mas também desejado.
Esperança... Era o que emanava da alma daquele rapaz, o qual, acompanhado de sua irmã e mãe, curtia aqueles momentos tão solitários de tensão e expectativa.
 Chegando num quarto de enfermaria, era como se o espírito do rapaz tivesse sido inundado pelo aconchego do local que, apesar de mórbido, era um consolo para aquela alma angustiada por toda aquela situação.
Ele não demonstra muita tensão. Aliás... Ele não se sente mais tão tenso. Conversa com a mãe e a irmã. Aquela está aparentemente calma, mas na profundidade do seu olhar e nos detalhes dos seus gestos, a apreensão se exibe claramente. Sua irmã tem semblante de cansaço. Estava preocupada com provas e outros problemas pessoas, os quais serviam de fuga para seu irmão.
O tempo passa... Ninguém aparece.
Já passava das 9 horas da manhã, quando a porta do quarto se abre. O rapaz sente uma pontada de ansiedade, que mais parece uma punhalada em seu estômago.
A hora chegou!
Troca suas roupas pelas do hospital, sobe na maca e se despede da mãe e da irmã. Ele ainda pensa em preveni-las de algo ou fazer algumas recomendações caso o pior aconteça... Mas não! Sua fé e confiança, naquele momento, são maiores.
E lá se vai pelos corredores do hospital. Sua visão agora contempla apenas o teto. Cada lâmpada de iluminação tem uma distância regular entre a próxima e, assim, vão marcando a distância até a sala de cirurgia, bem como a vida daquele rapaz. Cada luz traz consigo um foco de terror. É fria... Pungente.
A sala de cirurgia não é um lugar estranho para ele. Mas, por isso, não menos doloroso.
Enquanto aguarda o cirurgião e o anestesista, conversa com as técnicas de enfermagem, as quais tentam, mas não conseguem introduzir corretamente a agulha em sua veia. Até que o cirurgião chega:
–Se não conseguir pode deixar, que o anestesista pega a veia quando chegar.
Cumprimenta o rapaz, que se sente mais aliviado. O cirurgião posiciona o foco sobre o rapaz. Os olhos do mesmo contemplam aquela luz familiar e, no mesmo instante, se enchem de lágrimas. Sua face se contrai toda. A boca se entorta e treme. E ele chora em silêncio... Sustentando toda a mágoa e o pranto os quais estão a apertar seu peito. Chora! Não pela situação em si, mas por todo o caminho até ali. Chora de desgosto por achar que aquele momento nunca mais viria a se repetir. Chora por se sentir fraco, vulnerável... Chora por, na verdade, não ter a certeza de que aquela seria a última vez. Chora, também, por temer que fosse a última.
Controle-se! Tenha fé! É só mais uma batalha a vencer.
Você não está sozinho!
Aqueles pensamentos pareceram lhe renovar as forças. Enxuga as lágrimas e, mesmo sem seu terror  ter diminuído diante da situação, retoma o velho espírito de guerreiro, o qual o sustentara há anos. 
Coragem, homem!
Seu temor da morte parece bem maior que o das outras vezes. Aliás, nas outras vezes mal pensara naquilo. Dessa vez era tanto que evitava até falar com Deus, pois isso parecia o aproximar cada vez mais do outro lado da vida. Ele estava pronto e iria enfrentar aquela situação de frente. Estava concentrado naquilo!
O anestesista chega.
É um homem muito alegre e bem humorado. Conversa com o rapaz.
De repente, parece que aquela batalha não é mais só dele. O anestesista lhe dá um aperto de mão firme, como se o rapaz fosse um amigo que não vira há muito tempo. Uma onda de alívio toma conta daquele rapaz, como um general após receber e adicionar reforço maciço à suas tropas no meio de uma difícil batalha.
O anestesista consegue pegar os acessos venosos, os quais não foram “encontrados” pelas técnicas de enfermagem. Prepara a anestesia e mais uma vez conversa com o rapaz explicando o procedimento. Como se, para o outro, fosse novidade...
Anestesia geral.
O anestésico está sendo introduzido na sua veia. O rapaz sente cada gota daquilo entrando pelo seu vaso sangüíneo.
É agora! Vou apagar!
Antes que ele pudesse pensar duas vezes, sentiu sua respiração falhar. Era inútil tentar respirar com mais força. Estava sufocando. Começa a ficar ofegante e demonstra todo o desespero dentro de seus olhos e semblante.
Vou morrer!
Nessa hora o mesmo anestesista chama pelo nome do rapaz, e mais uma vez lhe acalma:
–Respire! Está tudo bem. Apenas respire com calma! Isso!
De repente tudo fica escuro. Cessarão todos os medos, angústias, ânsias... Tudo era paz. A consciência e a alma do rapaz pareciam navegar num mar de trevas infinito. E como era calmo e tranquilo...
Num dado momento, surgiu daquela escuridão uma voz que o chamava pelo nome:
–Acorde! Acorde! A cirurgia acabou. Foi um sucesso.
O rapaz abre os olhos e o fita. A visão ainda está meio embaçada. Um sorriso surge em seus lábios, e, em seguida, olha para o cirurgião e lhe faz um pedido súbito:
–Doutor! Doutor! Passe no quarto e fale com minha mãe, por favor!
O cirurgião, já apressado para ir embora, assenti, e ainda conversa com o rapaz, fazendo algumas recomendações antes de sair pela porta.
O anestesista também assim o faz e deixa a sala após dar um aperto de mão no rapaz.
Por que pedi para ele falar com minha mãe?
Ele não se recordava com perfeição, mas acha que de algum modo teria visto um relógio, o qual marcava pouco mais de meio dia.
Estranho!
Foi para a sala de recuperação pós-anestésica e por lá ficou durante meia hora. Conversou um pouco com as enfermeiras e depois foi encaminhado ao seu quarto. Lá sua mãe o esperava.
–Mãe, que horas são?
–Um pouco mais de meio dia, meu filho. Por quê?
–Por nada.
Sua lembrança em relação às horas estava certa. Mas como?  
Será que existia um relógio onde eu pudesse ver as horas?
O foco de luz estava na minha frente. Enfim... Em algum momento deve ter dado pra ver.
O rapaz se recuperou bem a partir dali. Pouco mais de um mês depois já estava totalmente “cem por cento”.
Aquela experiência lhe foi desagradável, mas lhe trouxera ensinamentos e novos questionamentos:
–O aconteceu enquanto eu estava adormecido pela anestesia?
–Que limiar é esse que separa vida e morte?
–Será que sua consciência realmente pairara pelo universo, nesse plano ou noutro, enquanto ele “dormia”?
–Como vi as horas no bendito relógio?
–O que haverá depois “disso tudo”?
–Tudo aquilo seria apenas uma ilusão criada pela mente?

Sábado, 04-12-2010, 12h42min.

O rapaz termina de escrever e salva seu texto.
Talvez, um dia, todos descubramos a verdade. Talvez...

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